sexta-feira, 24 de abril de 2020

Gente de fora (texto extraído do livro Emília no país da Gramática - autor: Monteiro Lobato)







No livro “Emília no país da gramática”, do escritor brasileiro Monteiro Lobato, Emília – uma boneca de pano – juntamente com outras personagens aventuram-se num país imaginário no qual seus moradores são as palavras da Língua Portuguesa. Ao chegarem em uma cidade movimentada e diferente, D. Etimologia, uma das moradoras do local, explica como é a vida por lá.

GENTE DE FORA

Aqui na cidade nova as palavras vindas da cidade velha misturaram-se com inúmeras de origem local, ou palavras índias, que já existiam nas terras do Brasil quando os portugueses as descobriram. A maior parte dos nomes de cidades, rios e montanhas do Brasil são de origem índia, como Tremembé, Itu, Niterói, Itatiaia, Goiás, Piauí, Piramboia, etc.
Ita é uma palavra da língua tupi que quer dizer Pedra, e tem servido de Prefixo para a formação de muitos Nomes. Temos em São Paulo a cidadezinha de Itápolis, formada de Ita, que é indígena, e Polis (cidade), que é grega. Pira (peixe) é outra palavra tupi muito usada. Piracicaba, Piraquara, Guapira.
— Eu gosto muito das palavras tupis e lamento que o Brasil não tenha um nome tirado dessa língua — disse Pedrinho. —
Em compensação muitos Estados do Brasil possuem nomes indígenas, como Pará (rio grande), Pernambuco (quebra-mar), Paraná (rio enorme), Paraíba (rio ruivo), Maranhão (mar grande) e outros. O tupi conseguiu encaixar na língua portuguesa grande número de palavras de uso diário, como Taba, Moranga, Jaguar, Araçá, Jabuticabal, Capim, Carioca, Marimbondo, Pipoca, Pereba, Cuia, Jararaca, Urutu, Tipiti, Embira, etc.
— E também muitos Nomes Próprios — advertiu Narizinho. — Conheço meninas chamadas Araci, Iracema, Lindóia, Inaiá, Jandira. . .
— E eu conheço um menino chamado Ubirajara Guaporé de Itapuã Guaratinguaçu, filho dum turco que mora perto do sítio do Tio Barnabé — lembrou Pedrinho. —
Pois é isso — continuou a velha. — Todas as línguas vão dando palavras para a língua desta cidade. O grego deu muitas. O hebraico deu várias, como Messias, Rabino, Satanás, Maná, Aleluia. O árabe deu, entre outras, Alfândega, Alambique, Alface, Alfaiate, Alqueire, Álcool, Algarismo, Arroba, Armazém, Fatia, Macio, Matraca, Xarope, Cifra, Zero, Assassino. A língua francesa deu boa quantidade, como Paletó, Boné, Jornal, Bandido, Tambor, Vendaval, Comboio, Conhaque, Champanha. A língua espanhola deu menos do que devia dar. Citarei Fandango, Frente, Muchacho, Castanhola, Trecho, Savana. A língua italiana deu muito mais. Ágio, Bancarrota, Bússola, Gôndola, Cantata, Cascata, Charlatão, Macarrão, Tenor, Piano, Violino, Carnaval, Gazeta, Soneto, Ópera, Fiasco e Polenta são palavras italianas.
O inglês está dando muitas agora. Das antigas posso citar Cheque, Clube, Tilburi, Trole, Esporte, Rosbife, Sanduíche; e entre as modernas há várias trazidas pelo cinema e pelo futebol.
— Eu sei uma! — gritou Pedrinho levantando o dedo.
— Diga.
— Okey, que também se escreve com duas letras, OK. Quer dizer que está tudo muito bem. (...)
Dona Etimologia prosseguiu: — Também vieram muitas palavras da África, trazidas pelos negros escravizados, como Banze, Cacimba, Canjica, Inhame, Macaco, Mandinga, Moleque, Papagaio, Tanga, Zebra, Vatapá, Batuque, Mocotó, Gambá. Da Rússia vieram Caleça, Cossaco, Soviete, Bolchevismo, etc. Da Hungria vieram Coche, Cocheiro, Sutche, Hussardo. Da China vieram Chá, Chávena, Mandarim, Leque. Da Pérsia vieram Bazar, Caravana, Balcão, Diva, Turbante, Tabuleiro, Tafetá. Da Turquia vieram Tulipa, Odalisca, Paxá, Bergamota, Quiosque. A velha parou na Turquia, para tomar mais um gole de chá. E assim se foi formando, e se vai formando, a língua. Uma língua não para nunca. Evolui sempre, isto é, muda sempre. Há certos gramáticos que querem fazer a língua parar num certo ponto, e acham que é erro dizermos de modo diferente do que diziam os clássicos.
— Que vem a ser clássicos? — perguntou a menina.
— Os entendidos chamaram clássicos aos escritores antigos, como o Padre Antônio Vieira, Frei Luís de Sousa, o Padre Manuel Bernardes e outros. Para os Carrancas, quem não escreve como eles está errado. Mas isso é curteza de vistas. Esses homens foram bons escritores no seu tempo. Se aparecessem agora seriam os primeiros a mudar ou a adotar a língua de hoje, para serem entendidos. A língua variou muito e sobretudo aqui na cidade nova. Inúmeras palavras que na cidade velha querem dizer uma coisa aqui dizem outra. Borracho, por exemplo, quer dizer bêbado; lá quer dizer filhote de pombo — vejam que diferença! Arrear, aqui é selar um animal; lá, é enfeitar, adornar.
 — Então lá há moças bem arreadas? — perguntou Emília.
— Sim — respondeu a velha. — Uma dama bem arreada não espanta a ninguém lá do outro lado. Aqui, Moço significa jovem; lá, significa serviçal, criado. Também no modo de pronunciar as palavras existem muitas variações. Aqui, todos dizem Peito; lá, todos dizem Paito, embora escrevam a palavra da mesma maneira. Aqui se diz Tenho e lá se diz Tanho. Aqui se diz Verão; lá se diz V'rao.
— Também eles dizem por lá Vatata, Vacalhau, Baca, Vesouro — lembrou Pedrinho.
— Sim, o povo de lá troca muito o V pelo B e vice-versa.
 — Nesse caso, aqui nesta cidade se fala mais direito do que na cidade velha — concluiu Narizinho.
— Por quê? Ambas têm o direito de falar como quiserem, e, portanto ambas estão certas. O que sucede é que uma língua, sempre que muda de terra, começa a variar muito mais depressa do que senão tivesse mudado. Os costumes são outros, a natureza é outra — as necessidades de expressão tornam-se outras. Tudo junto força a língua que emigra a adaptar-se à sua nova pátria. A língua desta cidade está ficando um dialeto da língua velha. Com o correr dos séculos é bem capaz de ficar tão diferente da língua velha como esta ficou diferente do latim. Vocês vão ver.
— Nós vamos ver? — exclamou Narizinho, dando uma risada. — Então pensa que somos como a senhora, que vive toda a vida e mais séculos e séculos?
— Vocês também viverão séculos e séculos por meio de seus futuros filhinhos e netos e bisnetos — replicou a velha.
— Menos eu! — gritou Emília. — Já me casei e me arrependi bastante. Felizmente, não tive filhos — e como não pretendo casar-me de novo, não deixarei "descendência" neste mundo...
— E se aparecer um grande pirata, como aquele Capitão Gancho da história de Peter Pan? — cochichou Narizinho no ouvido dela.
— Isso é outro caso... — respondeu Emília, cujo sonho sempre fora ser esposa dum grande pirata — para "mandar num navio"...
— Por falar em pirata. . . Onde andará o Visconde? — indagou Pedrinho. — Depois que tirou Quindim da sala não o vi mais.
— O Visconde está armando alguma — disse a boneca, que andava desconfiada de qualquer coisa.
— Vamos procurá-lo, já, já, antes que lhe aconteça alguma. E como tinham de procurar o Visconde, despediram-se de Dona Etimologia, que prometeu aparecer no sítio de Dona Benta. (LOBATO, Monteiro. Emília no país da gramática. São Paulo: Círculo do Livro. Com adaptações)

QUESTÃO 1 – Após a leitura do texto, seria INCORRETO afirmar que:

a)    quando os portugueses chegaram ao Brasil, já existia uma língua falada pelos índios.
b)    uma língua é formada por várias palavras, inclusive estrangeiras.
c)    ao português falado no Brasil foram incorporadas diversas palavras originárias de vários povos.
d)    a maior parte dos nomes de cidades, rios e montanhas do Brasil são de origem indígena.
e)    palavras de origem inglesa não são aceitas na língua portuguesa por serem de origem muito diferente.

QUESTÃO 2 – O título “Gente de fora” faz referência:

a)    aos estrangeiros que visitam o Brasil e influenciam nossa sociedade.
b)    aos termos linguísticos estrangeiros que empregamos no português.
c)    às palavras portuguesas de nossa língua.
d)    aos termos linguísticos tipicamente brasileiros.
e)    a palavras que não encontramos no dicionário.

QUESTÃO 3 –Podemos afirmar que o texto lido pertence ao gênero:

a)    dissertativo.
b)    argumentativo.
c)    narrativo.
d)    descritivo.
e)    expositivo.

QUESTÃO 4 – O trecho retirado do texto que melhor resume como funciona uma língua é:

a)    “Uma língua não para nunca. Evolui sempre”. (linha 40)
b)    “querem fazer a língua parar num certo ponto”. (linha 41)
c)    “quem não escreve como eles está errado”. (linha 45 e 46)
d)    “A língua variou muito, sobretudo aqui na cidade nova”. (linha 47 e 48)
e)    “Nesta cidade se fala mais direito do que na cidade velha”. (linha 58)

QUESTÃO 5 – O texto faz distinção entre duas cidades distintas, a “cidade velha” e a “cidade nova”. Sobre essas duas cidades, não é correto afirmar que:

a)    a cidade velha faz referência ao local onde estão as palavras antigas.
b)    a cidade nova é onde se encontra a língua mais próxima da que usamos.
c)    não há diferença entre a cidade nova e a cidade velha.
d)    na cidade velha não entram as palavras citadas por Dona Etimologia.
e)    na cidade nova existem palavras antigas e novas.

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