Exemplo do gênero
diário
Minha vida de menina
Quarta-feira, 28 de agosto [de 1895].
Faço hoje
quinze anos. Que aniversário triste!
Vovó
chamou-me cedo, ansiada como está, coitadinha, e deu-me um vestido. Beijou-me e
disse: “Sei que você vai ser sempre feliz, minha filhinha, e que nunca se
esquecerá de sua avozinha que lhe quer tanto”. As lágrimas lhe correram pelo
rosto abaixo e eu larguei dos braços dela e vim desengasgar-me aqui no meu
quarto, chorando escondida.
Como eu sofro
de ver que mesmo na cama, penando como está, vovó não se esquece de mim e de
meus deveres e que eu não fui o que devia ter sido para ela. Mas juro por tudo
aqui nesta hora que vovó melhorando eu serei um anjo para ela e me dedicarei a
esta avozinha tão boa que me quer tanto.
Vou agora
entrar no quarto para vê-la e já sei o que ela vai me dizer: “Já estudou suas
lições? Então vá se deitar, mas procure antes alguma coisa para comer. Vá com
Deus”.
Helena Morley. Minha
vida de menina. São Paulo: Companhia das Letras. Publicado em 1942, aos 62
anos.
Helena Morley, pseudônimo usado por Alice Dayrell Caldeira Brant.
A autora nasceu em Diamantina, em 1880, e faleceu em 1970, no Rio de Janeiro.
O diário de Helena Morley foi escrito no século XIX, ao
longo de três anos, e publicado quarenta e sete anos depois, com o título Minha
vida de menina.
Exemplo de relato
histórico
Mercador de escravos
Quando eu
morei na Nigéria, ouvi de vários descendentes de ex-escravos retornados do
Brasil que seus antepassados trouxeram consigo um saquinho de ouro em pó. E que
os menos afortunados desembarcavam em Lagos com os instrumentos de seu ofício e
alguns rolos de tabaco, mantas de carne-seca e barriletes de cachaça, para com
eles reiniciar a vida. É provável que tenha sido também assim, com seu
contrabando de ouro ou o seu tanto de fumo e jeritiba, que alguns dos traficantes
brasileiros instalados no golfo do Benin começaram os seus negócios.
Não foi este,
porém, ao que parece, o caso de Francisco Félix de Souza. A menos que estivesse
mentindo quando disse ao reverendo Thomas Birch Freeman que chegara à Costa sem
um tostão e que foram de indigência os seus primeiros dias africanos –
confissão corroborada por um parágrafo de Theophilus Conneau, no qual se afirma
que Francisco Félix começou a carreira a sofrer privações e toda a sorte de problemas.
Outro contemporâneo, o comandante Frederick E. Forbes, foi menos enfático, porém
claro: Francisco Félix era um homem pobre quando desceu na África.
Que ele
tenha, de início, como declarou, conseguido sobreviver com os búzios
que furtava
dos santuários dos deuses não é de estranhar-se. Os alimentos
eram muito
baratos naquela parte do litoral. Numa das numerosíssimas barracas cobertas de
palha do grande mercado de Ajudá, recebia-se da vendedora, abrigada sob o teto
de palha ou sentada num tamborete atrás do trempe com seu tacho quente, um naco
de carne salpicado de malagueta contra dois ou três cauris. Custava outro tanto
um bocado de inhame, semienvolto num pedaço de folha de bananeira e encimado
por lascas de peixe seco. E talvez se obtivesse por uma só conchinha um acará.
Alberto da
Costa e Silva. Francisco Félix de Souza, mercador de escravos. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira/Editora da UERJ.
Publicado em
2004, aos 73 anos.
Nesse relato
histórico, o autor procura reconstituir a vida de uma personagem importante da
história do Brasil, Francisco Félix, o Chachá, um mercador de escravos. Os
fatos relatados por Alberto da Costa e Silva são fruto de investigações que ele
realizou ao longo de quase sessenta anos. Observe que embora inicie esse
segundo capítulo do livro mencionando uma experiência vivida por ele, logo em
seguida o autor passa a relatar fatos e informações relativas à personagem
sobre a qual escreve. Ele é um observador da história de Chachá.